A proposta do Conselho Nacional de Educação (CNE), de liberar 40% de aulas a distância no ensino médio, tem gerado polêmica.
A informação de que o CNE discute uma nova resolução de atualização da Diretrizes Nacionais Curriculares do Ensino Médio, onde consta essa previsão, foi divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo na terça-feira (20). Para a Educação de Jovens e Adultos, a abertura prevista é de 100% para atividades a distância.
Para o professor Fernando Stanzione Galizia, do departamento de Metodologia de Ensino da UFSCar de São Carlos, as discussões sobre Ensino a Distância (EaD) são sempre muito polarizadas e geralmente ficam em torno de "achismos", de opiniões como "gosto e não gosto".
Conforme ele, a discussão é complexa. O EaD tem pontos positivos que o presencial não tem e vice-versa. "No EaD o jovem não tem a interação presencial, o que é uma grande perda, ainda mais se considerarmos uma carga horária tão alta como a proposta, que é de 40%", afirma, acrescentando que "por outro lado, o EaD oferece um tempo diferenciado de estudo e acesso ao conhecimento, maiores que sala de aula".
De acordo com Fernando, o foco deve ser o que de fato está sendo falado e o que está sendo feito. "Temos de discutir qual é o real objetivo dessa proposta. E por que tudo está sendo feito assim, nessa velocidade. Uma proposta dessas não pode ser feita sem um grande debate público", argumenta.
O que parece, na opinião de Fernando, é que a ideia é baratear o ensino médio e jogar de escanteio as disciplinas que não são consideradas obrigatórias. "Ou seja, essas iriam para o EaD", acredita.
Segundo a proposta do MEC, apenas as disciplinas de língua portuguesa e matemática aparecem como componentes curriculares, ou seja, como disciplinas obrigatórias a todos os alunos.
Fernando considera que um EaD feito dessa forma não pode dar certo. Segundo ele, se a ideia era fazer isso para baratear custos, não seria algo bom para os alunos. "Um EaD deve ser bem feito e aí pode ser mais caro porque precisa de tutores, de um bom ambiente virtual, enfim exige uma série de ferramentas e profissionais e acaba ficando mais caro", diz.
Fernando afirma que não é contra o EaD em si, mas como as coisas estão sendo colocadas.
Como as Diretrizes estão sendo alvo de mudanças e está sendo estabelecida uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino médio, ele explica que a base é o conjunto de conhecimentos mínimos que o aluno deverá aprender durante o ensino médio, e que ela visa unificar esses conhecimentos em todo o País, já as Diretrizes é que vão dar o norte de como esses conhecimentos devem ser trabalhados, por exemplo se o ensino deve ser presencial ou por EaD e a carga horária.
Raquel Lazari, professora do departamento de Metodologia de Ensino da Unesp de Assis, afirma que ficou muito assustada quando recebeu a informação sobre EaD no ensino médio. Ela entende que nessa fase o ensino a distância pode ser muito perigoso. "É uma precarização grande da formação dos alunos, eles não têm maturidade para um EaD, além disso precisam de socialização, de estar com os outros, com o professor", diz.
Na análise de Raquel, deixar as artes, a sociologia e os estudos filosóficos para o EaD é temerário. "É acabar mesmo com a formação do jovem aqui no Brasil. Acho isso muito ruim. Cada dia é um susto", diz, referindo-se às propostas de mudanças na Educação.
Raquel observa que as disciplinas que estão sendo consideradas menos importantes, tirando a língua portuguesa, são todas da área de Humanas. "Tudo o que envolve formação da cidadania, formação do pensamento, para o governo não importa. O que importa é saber calcular, ler e escrever, para ser instrumental, técnico. Não querem pessoas pensantes. Isso é pra sucatear mesmo a formação do jovem."
Entenda
O Conselho Nacional de Educação (CNE) é um órgão de assessoramento do Ministério da Educação (MEC). Conforme informado, as diretrizes ainda estão em debate no CNE e a aprovação é esperada ainda para este semestre. Decisões importantes aprovadas no órgão devem ser homologadas pelo ministério.
O ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM), chegou a dizer que não havia sido consultado sobre o assunto, ressaltando que não concorda com a proposta, que o governo não quer isso e que o tema não foi discutido no MEC. No entanto, o conteúdo foi debatido sim anteriormente com membros do MEC. Houve uma reunião em que o secretário de Educação Básica do MEC, Rossieli Soares, esteve presente. O titular desse cargo tem assento no conselho.
O texto que atualiza as Diretrizes foi apresentado no CNE pelo relator da proposta, Rafael Lucchesi, e pelo presidente do CNE e secretário estadual de Educação de Santa Catarina, Eduardo Deschamps, no dia 6 de março.
A abertura a atividades remotas no ensino médio já havia sido permitida pela reforma do ensino médio, aprovada pelo governo Michel Temer em fevereiro de 2017. O que as novas Diretrizes trazem é uma regulamentação de carga horária.
A reforma do ensino médio também definiu a flexibilização do currículo. Parte da grade deve ser cursada a partir da escolha dos alunos entre cinco áreas (se houver oferta): matemática, linguagens, ciências da natureza, ciências humanas e ensino profissionalizante. Essa parte flexível deve responder a 40% da carga horária total.
Com as mudanças previstas nas Diretrizes, todo esse bloco poderia ser oferecido a distância. O texto afirma que atividades a distância, com apoio de tecnologia digital ou não, podem incidir sobre qualquer conteúdo ou disciplina.
Após a divulgação das informações, o MEC emitiu uma nota dizendo que a discussão das novas Diretrizes não teria prazo para ser finalizada, como foi anunciado pelo CNE, e passará por audiência pública. (Com informações da Folhapress)
Fonte: Jornal Cruzeiro